Pedro Portugal
Dez. 4, 2024

Pedro Portugal

Entrevista por João Prates

Pedro Portugal nasceu em Castelo Branco em 1963 e é uma das figuras icónicas e multifacetadas da arte contemporânea portuguesa. Formado em pintura pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa em 1985, foi um dos fundadores do movimento Homeostético, juntamente com Pedro Proença, Ivo, Manuel João Vieira e Xana. Este movimento desafiou as normas artísticas estabelecidas, promovendo uma arte carregada de ironia e crítica social. Em 2004, o Museu de Serralves reconheceu a relevância do grupo com uma ampla retrospetiva. Pedro Portugal foi também um dos criadores dos movimentos Ases da Paleta, Etno-Estética, Explicadismo, Pandemos, Zuturismo, Arthomem e KWZero.

As suas obras estão presentes em prestigiadas coleções públicas e privadas. Especialista em informação visual, Pedro é pintor, escultor, aguarelista, performer, escritor, político, pensador, agricultor, consultor, professor, investigador, designer, conferencista e curador, abordando a arte como um campo de constante experimentação e crítica. Esta entrevista procura explorar a trajetória de Pedro Portugal, revisitando as suas fases mais significativas, no contexto das obras agora editadas. 

 

Quando e como percebeste que a arte era o teu percurso?

Quando os meus pais me levaram a Roma com sete anos e vi centenas de mulheres e homens nus em pinturas nas paredes. Quando uma civilização gosta de viver com pinturas de mulheres e homens nus a interagir de diferentes formas e posições em todas as divisões da casa, incluindo os quartos das crianças, pareceu-me na altura uma profissão rentável. Mais tarde percebi que os homens e as mulheres sem roupa afinal não tiveram pelos púbicos até ao final do séc. XIX e onde cresceram pintadas através dos séculos parras e cabelos compridos em milhares de pudenda. O mesmo com o sorriso! Não há representação de sorrisos na pintura até ao final do séc. XIX.

 

Mulheres e homens nus com a boca fechada em combinações mitológicas com pudendas ocultas podia ter sido o meu percurso! Mas não foi.

 

Qual é, na tua opinião, o papel que o movimento Homeostético desempenhou no cenário artístico dos anos 80? O que procuravam questionar?

Questionar tudo, como fazem todos os movimentos artísticos, sobretudo o que os precedem. A Homeostética é a epítome dos anos 80 e também o último grupo de artistas a trabalhar em conjunto, até hoje. Com 23, 24 anos dividimos o mundo em seis continentes e fizemos as maiores pinturas da história da arte em Portugal (200 x 1000 cm). Mas é como aqueles grupos rock que têm uma música no top e depois separam-se com reunificação impossível. Na exposição 6=0 HOMEOSTÉTICA em Serralves, realizada em 2003, pode ver-se esse ar do tempo nas obras, fotografias, textos e manifestos. É na realidade uma exposição de finalistas das Belas Artes feita 20 anos depois num museu a sério. Para se perceber tudo sobre este fascinante e cancelado grupo de artistas homens heterossexuais, amantes de sexo, álcool, drogas, rock, arte, teatro, cinema, arquitectura e carros, o catálogo editado por Serralves e o documentário feito por Bruno de Almeida esclarecem tudo. Também para explicar essa época estou a fazer um livro com os milhares de fotografias de pessoas que tirei com as primeiras auto-focus em festas e inaugurações: OS8Ø. Artistas, colecionadores, galeristas, críticos e life-enjoyers que circularam pelas galerias e museus na altura. Mais de metade já morreram.

 

A partir dos anos 90, passaste a explorar outros meios de expressão, como a fotografia, informática, escultura e instalação. Porque te aproximas dessas linguagens e como equacionas a ideia e o processo?

Deixei de fotografar em 1995. Os artistas sempre procuraram usar as inovações tecnológicas para a sua arte, mas a atribuição e o sentido é muito diferente na história. Os gregos não tinham uma palavra para arte nem para azul. Techne era a palavra mais próxima para arte: técnica. A cor do mar era uma coisa próxima de cor de vinho escuro. A perspetiva é uma invenção técnica imediatamente utilizada pelos artistas, e depois o tubo de tinta que permitiu aos artistas irem pintar para o campo e fazer o impressionismo.

 

Em 1996, apresentaste a primeira exposição online de um artista português. Esse ano também marcou a tua colaboração indireta com o CPS na primeira galeria portuguesa que tivemos em Madrid, a Blanca de Navarra. Que memórias guardas dessa exposição e o que representou para ti?

A apresentação no Forum Picoas da exposi- Mulheres e homens nus com a boca fechada em combinações mitológicas com pudendas ocultas podia ter sido o meu percurso! Mas não foi. 17 ção virtual “Ultimas Pinturas” foi um fracasso comercial porque na época havia 80.000 pessoas com acesso à internet em Portugal com modems 28,8k. Desisti da tecnologia por causa da famosa obsolescência. A Culturgest tem na coleção uma obra minha de 2001 que inclui um software que corre em Windows 98. A instituição mantém um computador dessa altura para utilizar sempre que a obra é apresentada. A Blanca de Navarra foi a grande galeria de vanguarda na Península Ibérica nos anos 90.

 

Algumas das tuas obras são profundamente interventivas, como o "eucalipto invertido com carro de luxo" na rotunda do relógio, o “circuito de manutenção” nas escadarias do Palácio de São Bento ou a “garrafa de água do Alqueva”. Todas com preocupações ecológicas. Qual é a dimensão social e política que atribuis à tua obra?

Aparentemente as coisas artísticas que se põem na rua têm tendência a causar tumulto. Mais por causa do sentido que se atribui. Plantar um eucalipto com a raiz para cima é politicamente e socialmente aceitável, até ecologicamente, porque a árvore estava doente e passa a ser um objeto curioso, parece um tronco com um ninho em cima. Mas pintá-lo de cor de laranja, estacionar um carro de luxo ao lado, colocar uma grande placa em granito dizendo “MONUMENTO AO ESTADO LARANJA” a meses de eleições legislativas, passa de inaceitável a abater. Numa altura em que Cavaco tinha promovido o eucalipto a petróleo verde, mais artigos no Público e Expresso — o então Vereador do Turismo da CML, Victor Costa, aproveitando o facto de ser um programa de arte efémera, manda cortar o monumento uma semana depois. Cobardemente durante a noite. Em Janeiro de 2025 vou instalar em Lisboa junto ao Tejo, o grandioso “MONUMENTO À FLORESTA PORTUGUESA”. Um eucalipto plantado com a raiz para cima, mas desta vez pintado com borracha líquida, como os nossos submarinos e iluminação noturna com vermelho RAL 3000 (a cor dos carros de bombeiros). Um monumento icónico e sacrificial aos mais de 150.000 hectares que arderam este ano. Portugal arde pela legislação que permite que as quatro rainhas más das indústrias da madeira e papel tenham o domínio da paisagem em Portugal. Um hectare de eucaliptos pode render até 20.000€ de nove em nove anos (dobro do montado) o que a torna a cultura mais rentável. Mesmo queimados dão dinheiro. As quatro rainhas más financiam universidades, associações ambientalistas, grupos de proteção da natureza, publicações, patrocinam programas de televisão, canais, RS, e agora beneficiando da nova legislação sobre o mercado de créditos de carbono, preparam-se para certificar as suas florestas de eucaliptos (os maiores coveiros de carbono) e fazer 80€ por hectare/ano. Os romanos quando nos visitaram há 2.000 anos descrevem uma floresta de castanheiros até à Ericeira. Quando Napoleão invade Portugal os registos são de um deserto até ao mar... Prefiro olhar para o planeta como James Love-lock ou Terence McKenna e não fazer nada numa floresta de carvalhos do tamanho de Monsanto, a 700 m de altitude, onde vivo com a minha mulher, um filho pequeno e dois borzois brancos.

 

Uma das edições apresentadas parte de uma pintura tua. Como vês, hoje, o lugar do desenho e da pintura na tua prática artística?

Deixei de pintar em 1996 com a exposição virtual “Últimas Pinturas”, mas continuo a fazer séries de desenhos que emolduro em madeiras de árvores extintas. Agora a maior parte das obras que produzo são feitas em fábricas ou por artesões.

 

Em "Bananoji", existe uma referência irónica, e também lúdica, diretamente a Maurizio Cattelan, e, indiretamente, a Warhol, aos Velvet Underground e a Duchamp. Como interpretas essa rede de referências?

Os artistas fazem obras de arte a partir de obras de outros artistas. Picasso picassou toda a história da arte. O "Bananoji" é um jogo linguístico e uma interrogação filosófica sobre o esvaziamento semântico dos símbolos na cultura contemporânea. Uma das muitas maneiras de fazer arte é juntar duas coisas que nunca estiverem combinadas dentro de um museu ou galeria de arte: uma banana e fita cola. Um ícone que destrona 107 anos de dominação de um urinol em cerâmica que nem sequer era de Duchamp. É o devir assinalado por Deleuze na transformação de nexos e categorias no tempo.

 

A arte dobra quando há um “acontecimento” como um urinol que é virado ao contrário e é chamado “Fountain” ou quando uma banana é colada na parede com fita cola e chamado “Comedian”.

 

Como a validação do artístico é certificado pelas galerias e museus, o trabalho dos artistas hoje é convencer os donos das galerias e diretores de museus a porem dentro desses espaços, que têm a capacidade mágica de transformar combinações de objetos ou coisas que ainda não foram combinadas, como um urinol em merda de elefante ou duas latas de cerveja no chão e obter o sancionamento como arte. Atenção que este também é o argumento da extrema-direita. Camille Paglia diz que há uma ortodoxia monolítica imperativa no mundo da arte que não é bom para a arte. Tudo é estéril, nivelado e com uma inflação de mediocridade nunca vista. Ou para Roger Scruton: A arte dos últimos 100 anos é uma fraude, uma ilusão ultrajante que só serve para deitar no lixo. Há cerca de um ano falei com um dos maiores colecionadores em Portugal que só compra arte até ao séc. XVIII. Na conversa perguntei se nunca tinha experimentado comprar arte contemporânea. A resposta foi que os artistas contemporâneos só estão interessados em fazer arte para chocar o público.

 

És crítico do meio artístico e dos sistemas de legitimação cultural. A tua série de emojis evoca figuras como Dalí, Frida Kahlo, Warhol e Lichtenstein, cruzando ironia e riso. Como vês o humor enquanto forma de subversão?

A arte é uma coisa muito séria, dá trabalho a muitas pessoas e não se pode gozar com a arte. Tenho sentido de humor negativo e talvez seja por isso que possa ser interpretado como passível de comicidade ou ironia, a que também sou alheio. Crítico do meio artístico sim e dos sistemas de legitimação cultural também. Escrevi dezenas de artigos em jornais e revistas sobre o assunto. E sim, tive de ser eu a inventar a Comissão de Aquisições de Arte Contemporânea do Estado. Negociei de um milhão para 300.000€ com o forreta do Centeno mas agora já é um milhão por ano. Nos dois anos em que pertenci ao júri (durante a pandemia) correu pessimamente e estive para me demitir. Escrevi um texto sobre “A Minha Aventura na Comissão de Aquisições”, que inclui a carta de demissão. A publicar mais tarde... A DGARTES continua a ter 8% do orçamento para as artes visuais. Nenhum ministro da cultura mudou isso nos últimos 50 anos. Um amigo meu, funcionário do Museu do Chiado, nunca mais se apresentou no Museu porque diz que o Museu do Chiado não existe. Estive numa discussão com uma ex-ministra da cultura que achava que a DGARTES não devia pagar a produção de obras a artistas porque os artistas depois podiam vender... A DGARTES paga os pincéis, tintas e telas ao artista e depois o malandro vende as pinturas! Há uma total iliteracia visual na classe política. Só há um político que tirou um curso de artes visuais, mas a opinião que tem dos artistas é que são uns malandros: Sérgio Sousa Pinto.

 

Entendemos as edições efetuadas no CPS como humanizadas e colaborativas, facilitadoras do acesso à arte. Qual é, do teu ponto de vista, a função social da obra gráfica e dos múltiplos de arte?

A função social da arte como a habitação social? Há o quiet luxury dos super-ricos cool de pôr o Monet na casa de banho ou no closet. Não dá para comprar um vestido Balenciaga mas dá para comprar um lenço ou um pequeno adereço. É assim que fazem dinheiro. Os sócios do CPS têm de pensar a que distância pensam no investimento que fazem em comprar um múltiplo. A 500 ou a 5.000 anos? Se for a 5.000 anos é aconselhável obras em cerâmica ou vidro. O papel pode conservar-se até 500 anos. Com as cores não há garantia. A garantia da LIQUITEX é de 50 anos e os Rothkos começaram a desaparecer...

 

Vivemos uma época conturbada e de grandes desafios. Que papel a arte deve desempenhar, em tempos críticos e de transformação social?

Na realidade todas as épocas foram conturbadas e de grandes desafios. Houve uma altura no princípio da história em que os humanos dedicaram muito tempo em estar à espera. Dentro da gruta à espera que parasse de chover ou pela Primavera. O mundo era todo pintado e quando perceberam que a chuva e o sol apagavam as pinturas, passaram a pintar em cavernas escuras e de difícil acesso os animais preferidos ou os de que tinham medo. Ou estavam à espera ou estavam a pintar. Durante 40.000 anos os humanos pintaram milhões de bichos até que há 8.000 anos foi inventado o alfabeto. Aí aconteceu a primeira grande extinção da pintura. Deixa de haver pinturas nas cavernas e passa a haver pinturas nos palácios dos reis. Numa perspetiva histórica, a arte sempre teve a ver com o poder e como os tempos são sempre críticos e de transformação social,

 

A arte e os artistas continuam a desempenhar o papel que sempre tiveram: na gruta à espera que pare de chover ou a pintar palácios de reis. A arte sempre foi muito cara de fazer.

 

Assumindo o valor da arte, que recomendas aos sócios colecionadores do Centro Português de Serigrafia?

A assunção do valor da arte é extremamente variável e o mercado mais louco e imprevisível para os investidores. A banana de Maurizio Cattelan vai a leilão na Sotheby´s por um a um milhão e meio... Se o artista mais famoso muda de 50 em 50 anos e a arte é o que fica das civilizações, então, devem comprar tudo e guardar em bunkers climatizados.