O Mito do Amor
Fev. 13, 2025

O Mito do Amor

A nossa história inicia-se sempre com os outros. E quando falamos de história pessoal, falamos primeiramente de um encontro (de outros) e de afetos. Uma primeira parte da qual não temos consciência, e que é criada a partir de imagens, sensações e emoções e memórias alheias.

 

E do mesmo modo que o inconsciente é um conhecimento que não se sabe que se possui, o mito é um saber que nos atravessa sem que o saibamos e que nos influencia.

 

A arte, a história e a psicanálise sublinham a força dos mitos, narrativas simbólicas que procuram clarificar a origem do mundo e dos homens, assim como manifestações profundas da mente humana. Neste sentido, os mitos relativos ao amor trazem a promessa de felicidade plena como nas chamadas "histórias de amor".

 

 

1. A origem do Amor ou o desejo de completude

 O Banquete, Aristófanes conta que os humanos eram seres fortes que desafiavam os deuses. Zeus decide dividi-los ao meio para enfraquecê-los e, desde então, procuram a sua outra metade, para se completarem.

 

Paulo Damião, "Amor endémico, Estampa digital                                 

Ramon Sanmiquel, S/ Título, Litografia     

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Continuamos à procura da completude, especialmente na era das aplicações de encontros, onde é possível escolher alguém a partir das suas características. Importante referir que o mito de Aristófanes é um dos primeiros textos a reconhecer a diversidade sexual, sugerindo que o amor não é apenas entre homens e mulheres, mas também entre pessoas do mesmo género.

 

               

            

 “Tal como a vida, a arte é essa busca insatisfeita e incessante por algo (é como refere Louise Bourgeois, uma tragédia), “a arte vem da vida” (Louise Bourgeois).

A função da arte é retratar esta condição da vida, é procurar aceder à intimidade que a vida proporciona”. 

Paulo Alexandre e Castro, Louise Bourgeois: metafísica e Arte da Intimidade

 

 

 

2. Eros e Psique ou a superação de desafios

Psique, uma mortal, apaixona-se por Eros, mas ao quebrar uma promessa, é abandonada. Desesperada, enfrenta desafios para provar seu amor. No fim, torna-se imortal e une-se a Eros.

 

Flávio Rossi, S/ Título, Serigrafia                            

Cláudia R. Sampaio, S/ Título, Serigrafia

 

Assim como Psique cede à curiosidade e desconfiança, hoje vivemos numa era onde a hipervigilância nos relacionamentos é comum. A visibilidade nas redes sociais, as mensagens lidas e não respondidas, e stalkings digitais alimentam inseguranças sobre o outro.

 

 

3. Rapto de Europa ou o poder da sedução e transformação

Zeus, apaixonado por uma princesa asiática, transforma-se num touro branco e aproxima-se dela. Encantada, ela enfeita-o com flores e senta-se em seu dorso, sem saber que será raptada para viver um romance com o deus.

 

Álvaro Siza, “Rapto de Europa”, Desenho a Caneta

 

Pedro Martins, Série: “Zodíaco: Touro”, Serigrafia

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Este mito narra um sequestro disfarçado de sedução, o que levanta questões atuais sobre relações de poder e consentimento. Além disso, tratando-se de duas personagens referentes ao Ocidente e Oriente, o mito é utilizado frequentemente em obras de arte diversas, para tratar de temas como identidade, migração e poder.

 

 

4. Rapto de Perséfone ou a transição da infância para sexualidade da vida adulta

O rapto de Perséfone por Hades leva Deméter, deusa da agricultura e fertilidade, à tristeza, causando a seca na Terra. Zeus ordena a sua libertação, mas após comer sementes de romã, Perséfone tem de passar parte do ano no submundo. 

 

Marta Anahory, “Escada Amarela”, Serigrafia

Manuel Gamboa, “Natureza Morta 1954”, Serigrafia

 

O mito continua a inspirar os artistas, criando interpretações sobre identidade, luto e crescimento, e equilíbrio entre luz e sombra na vida humana.

 

  

 5. Teseu e Ariadne ou o processo de integração

Teseu vence o Minotauro com a ajuda do fio mágico de Ariadne, mas abandona-a. Ariadne é resgatada por Dionísio, que a transforma em sua esposa e a imortaliza como constelação.

 

Jorge Barrote, “Grabado”, Gravura, água-forte

 

Nuno Teixeira, Série: “Mitos clássicos: Teseu e Ariadne”, Serigrafia

 

  

 

 

 

 

  

Este mito traz a reflexão sobre relações desiguais e traz à discussão temas como compromisso e responsabilidade emocional, assim como resgate e empoderamento.

 

 

6. Narciso ou a incapacidade de criar laços genuínos

Segundo o mito, Narciso era tão belo e tão vaidoso que, após desprezar inúmeras pretendentes, acabou por se apaixonar pelo próprio reflexo. Morreu de fome e sede à beira da fonte de água onde via a sua imagem refletida.

 

Pedro Machado Costa, S/ Título, Serigrafia

 

João Francisco Vilhena, Série: “A melancolia das imagens”, Fotografia

 

 

 

 

 

O mito de Narciso ainda é relevante para entendermos fenómenos contemporâneos, como o culto da imagem nas redes sociais e a valorização extrema da aparência e da validação externa.               

 

 

 7. Prometeu ou o arquétipo do rebelde e do amante da humanidade

Prometeu, titã amigo da humanidade, roubou o fogo dos deuses e deu-o aos homens, trazendo conhecimento e poder. Em punição, Zeus mandou que fosse acorrentado a uma montanha, onde uma águia devorava o seu fígado, que se regenerava diariamente.

 

 

Francisco Vidal, “Prometeu Agrilhoado”, Serigrafia

 

O mito de Prometeu ainda ressoa profundamente na atualidade, oferecendo uma reflexão sobre inovação e progresso, sacrifício pessoal e responsabilidade ética, assim como a luta pela liberdade e justiça social.