Diário, Casa de Pascoaes, Amarante, Portugal

João Francisco Vilhena

  • Esgotado
  • Fotografia s/ papel japonês, chinne collé e vincagem em gravura
  • Papel Fabriano Tiepolo 290gr / Papel Japonês Okawara 60gr
  • Mancha: 29x41,5 cm
  • Suporte: 50x70 cm
  • Data: 2016
  • 15 exemplares
  • Ref.: F35128

 

Obra que integrou a Exposição "A Melancolia das Sombras" // CPS no CCB // 19 Maio - 19 Junho 2016

 

 

A MELANCOLIA DAS SOMBRAS

A ARTE DE JOÃO VILHENA

 

Maria João Fernandes *

 

 “Encostas a face à melancolia e nem sequer

ouves o rouxinol. Ou é a cotovia?

(…) É dentro de ti

que toda a música é ave.”         Eugénio de Andrade.

 

O celebrado pintor italiano De Chirico (1888-1978) reinventou para a história da arte o conceito da melancolia associado a uma vertente metafísica, gerador de toda uma tradição de que faz parte hoje, salvas todas as distâncias, do tempo, do estilo, do suporte, a criação de João Vilhena. As suas fotografias de algum modo não são fotografias, como aliás a arte contemporânea nos ensinou a perceber, mas retratos de uma intimidade que se comunica ao espaço e o faz à sua imagem, ao espelho de uma consciência levada nas ondas do desejo de Ser, de amar a beleza evanescente de uma luz tão efémera e que simultaneamente é a pura imagem da eternidade.

A melancolia é a das sombras invasoras da cintilação do espaço, é a da consciência do instante, no momento em que se assiste ao declinar da luz que vela as aparências do puro fulgor, do breve sopro do infinito.

Na arte de João Vilhena a fotografia está próxima da pintura, reatando outra grande tradição da arte do século XX, desde o americano Stieglitz (1864-1946), mas ao mesmo tempo autonomiza-se dela pelo vínculo a um real que tem nas suas veias o sangue da poesia.

A sua criação alimenta-se do real e alimenta-o, dá-lhe a beber o elixir, a divina essência de uma beleza que é mais do domínio do espírito e menos da ordem das aparências que no entanto estão lá, num “para si” e num “para o outro”, de sentido fenomenológico, num fluir e numa osmose de mundos íntimos e exteriores, que se resolvem num encantamento, numa doce tristeza que parece sem motivo, quando o motivo paira vagamente levado pela brancura das nuvens, ou pela surpresa de detalhes que fulgem brandamente para nos recordar que pertencemos a este mundo.

Pertenceremos realmente (ao real)? A insistência é voluntária. É isso o que parecem dizer surdamente ou em surdina todas estas imagens compondo afinal essa intemporal sinfonia do Ser que é a de toda a Arte.

A solidão dos objetos é a nossa solidão. Os objetos colocados em cena, na grande cena do destino humano de que são metáforas, falam da sua condição visionária, de grandes espectadores expectantes de uma ausência que anuncia a Presença. Estamos no cerne de uma aventura poética, da aventura poética que levou o autor a ser o intérprete de obras e universos tão complexos como os de Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa ou José Saramago.

O seu diário em diversos tempos passou por distintos espaço e longínquas paragens, as suas coordenadas líricas não têm senão as fronteiras do espírito e este não tem limites. No México, pátria de Frida Khalo, na casa de Trotsky, no Sara, na Serra da Estrela, frente ao oceano, em Veneza, em Amarante, na casa de Pascoaes ou em Lanzarote, seguindo os passos de José Saramago, o seu domínio é o diálogo da luz e das sombras, sublimes metáforas imateriais em busca de um novo corpo da vida, de uma outra Vida do espírito, numa démarche que dá um sentido novo ao famoso verso de Rimbaud.

“La vie est ailleurs” mas esse além, da esfera do desejo e da suspensão, da contemplação, está bem aqui, no coração do real, na surpresa dos pormenores inesperados, na súbita e felizmente fatal, inspiração, oferenda, no milagre da Poesia.

 

*Crítica de Arte (A.I.C.A. Associação Internacional de Críticos de Arte), Poeta (com o pseudónimo Joana Lapa).