PAISAGENS RECORTADAS NA MEMÓRIA DE ENGRÁCIA CARDOSO

“A visibilidade de uma paisagem e a irradiação afetiva que dela emana são as faces do mesmo sentimento, tudo está ligado ao todo.”

Engrácia Cardoso (n. 1976), pintora, gravadora e artista premiada, oferece-nos hoje mais uma página do seu muito particular álbum de memórias inspirado neste caso por uma experiência de emigração em Trás-os-Montes, envolvendo um grupo de duas mulheres e várias crianças que seguiram um trilho entre pedras, ervas daninhas e uma vegetação silvestre, rumo ao que sonhavam ser uma realidade libertadora.

A realidade torna-se o ponto de partida de uma natureza imaginada, presente nas suas criações para serigrafia num processo que a própria artista descreve: “Diante de uma natureza soberana, a paisagem apresenta-se num espaço pictórico (…). A criação tem o seu lugar expressivo dando relevo a uma vertente interior e intimista e também a uma vertente exterior em relação com a fuga (…).” Deste diálogo entre a natureza vivida e um espaço alimentado por memórias e silêncios férteis nasce a exuberância das formas recortadas e coloridas deste universo, num jogo entre os traços finos, matisseanos e as manchas de cor, em sobreposições audaciosas, numa paleta que harmoniza tons frios e quentes realçados pelo negro.

A artista convida-nos uma vez mais, com a sua flora imaginada, à revisitação do paraíso perdido de uma paz e de uma felicidade anteriores à nossa civilização, e que deveriam inspirá-la. A fuga é aqui em direção à festa dos sentidos apelando à reconquista do tato, dos sabores e dos perfumes, de uma alegria perdida, a coisa mais séria da vida segundo Mestre Almada. Do real para o imaginário que dela se nutre para eclodir nas formas palpitantes de vida e sensualidade mágica que hoje nos é dado apreciar.

Maria João Fernandes

AICA - Associação Internacional de Críticos de Arte