Gracinda Candeias

Datura e suas Senescências

Nov. 10, 2009 - Dez. 12, 2009
CCB, CPS no CCB

Um álbum de serigrafias de Gracinda Candeias com o título: “Datura e suas Senescências” e com introdução de Lídia Jorge e poemas de Ana Zanatti será apresentado pelas autoras e por Maria João Fernandes a 10 de Novembro (terça-feira) pelas 18h30 na loja CPS do Centro Cultural de Belém. A metamorfose que o tempo imprime às formas, tema intemporal da arte, é o motivo condutor do olhar que a artista faz incidir sobre flores que o acaso a levou a descobrir no seu percurso quotidiano para as carregar da magia das suas linhas, das suas manchas e das suas cores e de um simbolismo que ela própria define em texto de abertura: “Dizem os botânicos que estas mudanças de cor têm a haver com os genes, e que dependem também de factores internos e externos, como a temperatura, a polinização, a luz, o meio ambiente. A verdade é que eu andava por aquelas ruas havia perto de trinta anos e nunca tinha visto as campainhas. Iria eu a tempo de as ver, na passagem magnífica do seu tempo de flores? Sobre as daturas, eu sabia que tinham forma de trombeta, que deitavam um cheiro agradável à noite, que provinham do Equador, que eram do grupo das “sonoláceas”, que eram as flores sagradas da deusa Shiva, mestre da vida e da morte, que provocam estados de êxtase e que eram também um veneno mortal. Mas não sabia que moravam perto de mim, nem calculava como elas podiam encher a minha vida de sentido, à medida que as ia acompanhando na sua mudança de vida.” Do esplendor solar do seu nascimento e juventude, à sua outonal floração e à decadência anunciada do seu vigor primaveril, a flor é o suporte das magníficas metáforas plásticas que sintetizam os ciclos da vida e do amor a que dá expressão a poesia de Ana Zanatti, poemas curtos e cheios de sensorialidade, ao modo oriental, que acompanham cada uma das imagens: “Talvez os outros compreendam/ que das asas da paixão/ se soltam penas brancas/ sementes que enraízam flores/apontadas ao céu/onde tu e eu finalmente encontramos a paz.” Por sua vez a escritora Lídia Jorge descreve o percurso estético que levou Gracinda Candeias à espécie de transfiguração do mundo natural que as suas flores representam: “a transfiguração vem do percurso do trânsito acontecido no tempo e no espaço, do intervalo que decorre entre o mundo primitivo e o dito civilizado. Da distância entre a Europa e o Oriente, a Europa e a África. Da África do Norte e do deserto, ou de Angola onde nasceu e mantém a sua raiz. (…) São de longe os seus estímulos, as flores, os pássaros, as nuvens, as árvores, os rios, as cores e os sentimentos de deslumbramento, nostalgia, recordação, memória de odores e vislumbres. O transporte da sensualidade em torno do mundo, da terra e do céu. E também os materiais são de longe, os papéis, os pigmentos, as colas, os paus, os lacres, os selos. E de longe parecem ser arrancadas as formas que expressa – os pássaros estilizam-se na forma do ovo, as nuvens alargam-se com a transparência dos céus, os calhaus ficam espalhados no deserto que se remove em nuvens. Como se a forma se tivesse rendido ao impulso da cor, e a cor fosse a mais depurada sobrevivência da experiência do vivido.” Entre a palavra e a imagem, num verdadeiro ritual que tem ao centro a beleza desvelada das formas da natureza, Gracinda Candeias uma vez mais nos deslumbra com uma arte que é antes de mais uma poética expressão do humano onde reconhecemos a angústia e o fascínio das vivências quotidianas e o mistério que preside ao nosso destino.